quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

Escutatória


Rubem Alves

 
enviado por email em 12/01/2016 pelo Ir.'. Nelson Jerônimo de Oliveira
 
 
Sempre vejo anunciados cursos de oratória. Nunca vi anunciado curso de escutatória.

Todo mundo quer aprender a falar... Ninguém quer aprender a ouvir.

Pensei em oferecer um curso de escutatória, mas acho que ninguém vai se matricular.

 Escutar é complicado e sutil.

Diz Alberto Caeiro que... Não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores.

 É preciso também não ter filosofia nenhuma.

 Filosofia é um monte de idéias, dentro da cabeça, sobre como são as coisas.

 Para se ver, é preciso que a cabeça esteja vazia.

 Parafraseio o Alberto Caeiro:

Não é bastante ter ouvidos para ouvir o que é dito.

 É preciso também que haja silêncio dentro da alma.

 Daí a dificuldade:

 A gente não agüenta ouvir o que o outro diz sem logo dar um palpite melhor...

 Sem misturar o que ele diz com aquilo que a gente tem a dizer.

 Como se aquilo que ele diz não fosse digno de descansada consideração...

 E precisasse ser complementado por aquilo que a gente tem a dizer, que é muito melhor.

 Nossa incapacidade de ouvir é a manifestação mais constante e sutil de nossa arrogância e vaidade.

 No fundo, somos os mais bonitos...

 Tenho um velho amigo, Jovelino, que se mudou para os Estados Unidos estimulado pela revolução de 64.

Contou-me de sua experiência com os índios: Reunidos os participantes, ninguém fala.

 Há um longo, longo silêncio.

 Vejam a semelhança...

Os pianistas, por exemplo, antes de iniciar o concerto, diante do piano, ficam assentados em silêncio...

Abrindo vazios de silêncio... Expulsando todas as idéias estranhas.

Todos em silêncio, à espera do pensamento essencial. Aí, de repente, alguém fala.

 Curto. Todos ouvem. Terminada a fala, novo silêncio.

 Falar logo em seguida seria um grande desrespeito, pois o outro falou os seus pensamentos...

 Pensamentos que ele julgava essenciais.

São-me estranhos. É preciso tempo para entender o que o outro falou.

 Se eu falar logo a seguir... São duas as possibilidades.

Primeira: Fiquei em silêncio só por delicadeza.

 Na verdade, não ouvi o que você falou.

 Enquanto você falava, eu pensava nas coisas que iria falar quando você terminasse sua (tola) fala.

 Falo como se você não tivesse falado.

 Segunda: Ouvi o que você falou. Mas, isso que você falou como novidade eu já pensei há muito tempo.

 É coisa velha para mim. Tanto que nem preciso pensar sobre o que você falou.

 Em ambos os casos, estou chamando o outro de tolo. O que é pior que uma bofetada.

 O longo silêncio quer dizer: Estou ponderando cuidadosamente tudo aquilo que você falou.

 E, assim vai a reunião.

Não basta o silêncio de fora. É preciso silêncio dentro. Ausência de pensamentos.

E aí, quando se faz o silêncio dentro, a gente começa a ouvir coisas que não ouvia.

 Eu comecei a ouvir.

 Fernando Pessoa conhecia a experiência...

 E, se referia a algo que se ouve nos interstícios das palavras... No lugar onde não há palavras.

 A música acontece no silêncio. A alma é uma catedral submersa.

 No fundo do mar - quem faz mergulho sabe - a boca fica fechada. Somos todos olhos e ouvidos.

 Aí, livres dos ruídos do falatório e dos saberes da filosofia, ouvimos a melodia que não havia...

 Que de tão linda nos faz chorar.

 Para mim, Deus é isto: A beleza que se ouve no silêncio.

 Daí a importância de saber ouvir os outros: A beleza mora lá também.

 Comunhão é quando a beleza do outro e a beleza da gente se juntam num contraponto.

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