Márcio dos Santos Gomes M.'.I.'.
da A.'.R.'.L.'.S.'. "Águia das Alterosas" nº 197 - GLMMG
Or.'. de Belo Horizonte - MG
* membro da
Academia Mineira Maçônica de Letras e da
Escola Maçônica "Mestre Antônio Augusto Alves D'Almeida"
Trabalho publicado no blog https://opontodentrodocirculo.wordpress.com
Independencia do Brasil - parte 1 - 15/09/2017
Independencia do Brasil - parte 2 - 18/09/2017
Independencia do Brasil - parte 3 - 20/09/2017
enviado por mail pelo Ir.'. José Carlos Vincenzo
da A.'.R.'.L.'.S.'. "Luz e Glória" nº848
Or.'. de São Bernardo do Campo -SP
Os
registros históricos revelam que as primeiras Lojas Maçônicas em nosso país
foram oficialmente estabelecidas no início do século XIX. Anteriormente,
consta da literatura maçônica o Areópago de Itambé, datado de 1796, uma
sociedade filosófica de caráter liberal, referenciada como o embrião da
maçonaria brasileira, mas incluída na categoria de sociedade secreta, além
de vários clubes, academias e associações, cuja filosofia seguia o
pensamento maçônico.
Outra sobre a qual recai
controvérsia sob o aspecto da regularidade é a “Cavaleiros da Luz”,
fundada na Bahia em 17 de julho de 1797, a bordo da fragata francesa La Preneuse,
mas que seguramente teria o caráter de uma sociedade secreta com
fins políticos. Tudo isso porque uma loja, para ser considerada regular,
deve possuir uma carta constitutiva emitida por uma Obediência ou Potência
também regular.
A
Loja “União”, fundada por maçons portugueses, constituída em 1800, e
considerada irregular inicialmente, foi refundada com o nome de “Reunião”
no Rio de Janeiro, em 1801, filiada a uma Obediência francesa. Na
sequência, constam as Lojas “Virtude e Razão” (Bahia, 1802); “Constância”
e “Filantropia” (RJ, 1804), “Virtude e Razão
Restaurada” (Bahia, 1807); “Regeneração” (Engenho Paulista – PE, 1809); “Pernambuco do Ocidente” e “Pernambuco do Oriente” (1812); Distintiva (São Gonçalo da Praia Grande – Niterói-RJ, 1812); Guatimosin (Recife-PE, 1812); “União” (Bahia, 1813).
Restaurada” (Bahia, 1807); “Regeneração” (Engenho Paulista – PE, 1809); “Pernambuco do Ocidente” e “Pernambuco do Oriente” (1812); Distintiva (São Gonçalo da Praia Grande – Niterói-RJ, 1812); Guatimosin (Recife-PE, 1812); “União” (Bahia, 1813).
O
realce na cronologia das lojas sempre ficou com a “Comércio e Artes na Idade
do Ouro”, fundada em 15 de novembro de 1815, no Rio de Janeiro, inativa,
pelo menos aparentemente, após o Alvará Real de 30 de março de 1818, que
proibiu o funcionamento das ainda incipientes lojas do território
nacional, na época em que o Brasil era Reino Unido ao de Portugal e
Algarve (Castellani, 1993). A Loja foi reinstalada em 24 de junho de 1821 e serviu de base para a fundação do Grande
Oriente Brasileiro, em 17 de junho de 1822, entrando para a história como
o pivô da Independência.
Os
acontecimentos que resultaram na independência do Brasil têm como largada
o ano de 1808, com a chegada de D. João ao Rio de Janeiro no dia 7 de
março, depois de uma estada na Bahia, onde aportou em 22 de janeiro, sob a
proteção naval da marinha inglesa, trazendo a Corte para o Brasil, em fuga
da invasão e dominação de Portugal pelas tropas francesas de Napoleão
Bonaparte, comandadas pelo General Junot, com o assentimento da Espanha.
Tal acontecimento deu ao país nova organização administrativa nos moldes
de um Estado independente e ensejando, segundo alguns historiadores, a
“inversão metropolitana”, onde uma colônia passava a sediar uma corte
europeia pela primeira vez na história. Naquele momento, Inglaterra e
França disputavam a liderança no continente europeu. D. João não obedecera
às determinações de Napoleão de fechar os portos portugueses aos navios
ingleses. Ao partir, D. João deixara Portugal aos cuidados do Conselho de
Regência de 1807.
A bordo dos navios que trouxeram a
Corte, com a estimativa entre quatro e sete mil pessoas, excluindo
tripulantes, constaram “joias
da família real, arquivos importantes do governo português, homens
essenciais de um Estado soberano – como as altas hierarquias civil,
militar e eclesiástica -, a alta sociedade, membros de profissões liberais
e do mundo dos negócios, toda a máquina do Estado estava
sendo transplantada para continuar sua rotina no Brasil”
(Cáceres, 1995).
Com
isso, foram reconstituídos em solo brasileiro todos os órgãos do
Estado português: os ministérios do Reino, da Marinha e Ultramar, da
Guerra e Estrangeiros e o Real Erário, que em 1821 mudou o nome para
Ministério da Fazenda. Outros órgãos da administração e da justiça foram
recriados. Cada departamento, cada repartição importante foi restabelecida
com as mesmas funções, o mesmo nome, os mesmos poderes e os mesmos métodos
que o seu protótipo em Portugal.
Registre-se
que a burocracia generalizada e ineficiente, o apadrinhamento e
o nepotismo eram os mesmos existentes no modelo português, fato este que
explica boa parte de nossa herança cultural. Muitos historiadores
consideram D. João como o verdadeiro mentor do moderno Estado brasileiro.
Caio Prado Júnior, na obra “Evolução política do Brasil (1ª ed.: 1933)”,
consignou que, se não fora os aspectos externos e formais, a transferência
da corte poderia ser caracterizada como o marco da independência do
Brasil.
A
chegada da Corte promoveu mudanças que redundaram em progresso, através
de inúmeras medidas adotadas, como a carta-régia de 28 de janeiro de 1808,
que permitiu a abertura dos portos brasileiros às nações amigas,
considerado como um referencial de transição do Brasil, de colônia a
Estado soberano; o alvará de 1º de abril, revogando o de 1785, que proibia
a instalação de manufaturas; a criação do Banco do Brasil, em 12 de
outubro de 1808, e, finalmente, a importantíssima lei de 16 de dezembro de
1815, que elevou o país à categoria de reino: Reino Unido a Portugal
e Algarves, legitimando a permanência da Corte no Brasil e favorecendo a
ruptura colonial sem graves convulsões sociais, sem fragmentação
territorial e com unidade politica. Conforme alguns historiadores, com
esse ato D. João tornou o Brasil independente dentro da Monarquia
Portuguesa.
As
transformações materiais foram acompanhadas de mudanças no
panorama cultural, como a criação do Museu Nacional e da Biblioteca Real –
futura Biblioteca Nacional, da Academia Militar, da Academia da Marinha e
de escolas voltadas para melhorar a qualidade da mão de obra, como a
Escola de Comércio e Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios. O ensino
público melhorou com a criação de escolas de Medicina na Bahia e no Rio de
Janeiro. Repercutiu positivamente a vinda de missões artísticas e
científicas estrangeiras. A Academia de Belas-Artes foi criada em
1816. Cidades cresciam e foram tomadas medidas visando à melhoria das
condições higiênicas e sanitárias, em especial nas cidades portuárias.
Entre 1810 e 1820, o Rio de Janeiro já contava com mais de 100 mil
habitantes, sendo muitas vezes identificada como uma “nova Lisboa” pelos
enciumados moradores de outras partes do Brasil.
De
grande relevância para a história cultural e ideológica do período foi a
criação da Imprensa Régia, que quebrou a secular proibição da atividade
impressora no Brasil. O primeiro jornal foi a “Gazeta do Rio de Janeiro”
(1808-1822). Na Bahia, em 1811, apareceu o jornal “A Idade de Ouro do
Brasil” (1811-1823). O destaque foi o “Correio Brasiliense (1808-1822)”,
editado em Londres, com frequência quase mensal, pelo maçom Hipólito da
Costa, brasileiro, conhecido como o “Patriarca da Imprensa Brasileira” e
mentor da geração da independência. O “Correio Brasiliense” ou “Armazém
Literário” era de oposição e não tinha o apoio oficial, mantendo-se
dos recursos provenientes de suas vendas, e considerado, à época, o mais
completo veículo de informação e análise da situação política e social de
Portugal e do Brasil.
Segundo a historiadora Emilia
Viotti da Costa (citada por Koshiba, 1963), “a
entrada de estrangeiros em número crescente a partir de 1808, a
intensificação dos contatos com a Europa facilitaram a divulgação de
ideias liberais e nacionalistas, então cultivadas nas sociedades secretas
que aqui também se multiplicavam”. Tudo isso propiciou
à formação de uma consciência emancipacionista no Brasil.
A
presença da Corte portuguesa no Brasil acabou com a importância política da
região Nordeste. Por isso, um sentimento antilusitano tomou conta da Bahia
e de Pernambuco, e teve papel importante no movimento revolucionário que
marcou o período, a Revolução Pernambucana de 1817, de tendência fortemente
nacionalista, no sentido de implantar a república em Pernambuco. Os portos
nordestinos recebiam navios e comerciantes norte-americanos, a procura de
mercados, que traziam artigos de jornais, livros e exemplares da
Constituição norte-americana e faziam reuniões e conferências com pessoas
importantes da sociedade de Pernambuco. Com as discussões sobre a
Declaração de Independência e a Constituição dos Estados Unidos, muitos
acreditavam que as ideias republicanas e liberais trariam o progresso e
o desenvolvimento para o Nordeste.
A
maçonaria e outras sociedades secretas, estimuladas pelos comerciantes e
viajantes estrangeiros, se encarregaram de difundir os novos princípios
liberais. O maçom Domingos José Martins, que era favorável à libertação
dos escravos e a incorporação dos mesmos como soldados na luta contra os
portugueses, liderou o movimento. Com a derrota do despreparado exército
revolucionário, os principais chefes foram levados para Salvador, onde
responderam a processo sumário (devassa), sendo todos executados,
incluindo Domingos José Martins, num total de 43, entre civis e
militares, bem como três eclesiásticos, dentre os quais o famoso padre
Roma (José Inácio Ribeiro de Abreu e Lima), também maçom (Castelani,
1989). A Revolução Pernambucana é considerada a precursora da
independência política do país, juntamente com a Inconfidência Mineira,
tendo ambas o protagonismo de vários maçons que fomentaram o caminho da
emancipação total.
Segundo
Castellani (2007), toma-se o Alvará de 30 de março de 1818 como
uma consequência direta da fracassada Revolução Pernambucana, ensejando
medidas contra a atuação da maçonaria, ao proibir o funcionamento das
sociedades secretas, abrangendo as ainda incipientes lojas do território
nacional, motivado pela agitação do meio maçônico empenhado em obter a
independência do Brasil, através de movimentos regionais nacionalistas, de
caráter geralmente republicano. O Alvará mostrava o empenho de D. João em
fazer uso da força contra qualquer nova tentativa de rebelião, com a participação
das hostes maçônicas. Não obstante o recesso oficial, a maçonaria
continuou a trabalhar secretamente.
Desde
1809, Portugal estava libertado, pelos ingleses, do domínio francês. O
general William Baresford, da Inglaterra, com o título de “Lorde
Protetor”, era o virtual ditador, com o consentimento de D. João, enquanto
este e sua Corte permaneciam no Brasil, com prejuízos para a burguesia
comercial portuguesa, para a qual interessava a volta da família real para
Lisboa e o restabelecimento do exclusivismo comercial da metrópole sobre a
colônia.
Naquele momento, “Embora consideradas criminosas
e proibidas em Portugal, as sociedades secretas e a Maçonaria se
desenvolviam e difundiam ideias liberais nas grandes cidades. Combatiam o
absolutismo, a sociedade tradicional, as superstições e a intolerância
religiosa. A Maçonaria não era antibritânica, porque contava com muitos
membros ingleses. Mas as outras sociedades secretas, como o Sinédrio,
que pretendiam libertar Portugal da dependência inglesa, eram claramente
antibritânica.”(Cáceres, 1995).
Como
resultado da vitória da Revolução Liberal do Porto conduzida pelos
militares, culminando com a expulsão dos ingleses, em 1820, e a
consequente formação das “Cortes Gerais e Extraordinárias da Nação
Portuguesa”, como o primeiro Parlamento convocado em Portugal, à revelia
de D. João, a permanência da Família Real no Brasil tornou-se motivo de
enorme insatisfação, pois a colônia, então equiparada à metrópole, estava
a um passo de sua emancipação, e isso feria o orgulho português.
A
Revolução do Porto pôs fim ao período de relativa estabilidade política que o
Brasil havia conhecido desde a chegada da família real, gerando tumultos,
passeatas, pronunciamentos militares e rebeliões em várias partes do país,
forçando D. João, a partir de então, com o título de rei e o nome de D.
João VI, a jurar a nova Constituição que estava sendo elaborada em
Portugal, deixando de ser um monarca absolutista e tornando-se rei
constitucional. A pressão das Tropas portuguesas sediadas no Rio
de Janeiro foi decisiva para a decisão de D. João. Sua volta passou a ser
exigida, apesar da vontade em permanecer no Brasil.
Embora
criando uma monarquia constitucional e derrubando o absolutismo, as
Cortes em Portugal sempre declararam lealdade ao rei D. João. Entretanto,
crescia ainda a preocupação de seus membros com as perdas das riquezas
provenientes do Brasil. Vale ressaltar que a Inglaterra dominava o
comércio exterior brasileiro.
Assim, atendendo à exigência das
Cortes e com o receio de perder o trono, em função do decreto-régio de 7
de março de 1821, e pressentindo a possibilidade de o Brasil tornar-se
independente, D. João nomeou como regente do Reino do Brasil seu filho
e herdeiro, D. Pedro, aos 22 anos de idade. Ao partir, em 26 de abril de
1821, D. João recomendou a seu filho: “Pedro,
se o Brasil se separar, antes seja para ti, que me hás de respeitar, do
que para alguns desses aventureiros”. A esquadra, composta por
duas fragatas e nove embarcações de transportes, levou 40 mil pessoas. D.
Carlota Joaquina exultante, partiu maldizendo o Brasil. D. Pedro
acompanhou o pai até a saída da barra. (Del Priore, 2012).
Dessa
forma, o príncipe regente vê-se envolvido pela elite pensante e econômica
local, dentre os quais um forte grupo político composto por vários maçons.
Já naquela oportunidade, o Banco do Brasil se viu desfalcado de mais de
cinquenta milhões de cruzados em barras e moedas de ouro que haviam sido
levadas por D. João dentro de suas malas, inaugurando procedimento que se
“repete” ainda nos dias atuais. Para contornar a situação, D. Pedro
ordenou a emissão de mais papel-moeda, o que causou a desvalorização da
moeda e a elevação dos preços, inoculando o veneno da inflação. Qualquer
comparação com a história recente não é mera coincidência.
Ainda
em abril de 1821, um decreto das Cortes anulou o ato que havia nomeado
D. Pedro regente. Decidiram, ainda, que o Brasil não apenas deixaria de
ser um reino unido a Portugal como também o vice-reinado, com sede no Rio
de Janeiro, não seria restabelecido. Em substituição a um governo central,
o Brasil seria divido em províncias autônomas, cujos governadores
(militares) seriam nomeados pelas próprias Cortes. Foi determinada a
eliminação de todos os tribunais de justiça, das agências e das
repartições públicas estabelecidas depois de 1807. Ademais,
estavam sumariamente demitidos todos os juízes, advogados, escreventes e
burocratas que ocupavam esses postos (Bueno, 1997).
Com a
chegada ao Rio de Janeiro dos Decretos 124 e 125, de 29 de setembro de
1821, onde as Cortes ordenavam a abolição da regência e o imediato retorno
de D. Pedro a Portugal, sujeitando a obediência das províncias a Lisboa e
não mais ao Rio de Janeiro, e esvaziando, por completo, a autoridade do
governo, D. Pedro aparentemente resignado começou a fazer os preparativos
para o seu regresso. Ao considerar desnecessária a permanência de D.
Pedro, as Cortes exigiam o seu retorno imediato também sob o pretexto de
completar sua educação, já que, na opinião dos deputados, não tendo mais o
Brasil um governo central, a sua presença passaria também a ser meramente
figurativa.
Segundo Mary Del Priore (2012), “o Regente estava entre dois
fogos: obedecer a D. João, dominado pelas cortes e obrigado a impor
sanções ao Brasil, ou reagir, manifestando o desejo de independência”.
A esposa de D. Pedro, princesa Leopoldina, “inicialmente pouco simpática ao movimento e desejosa de voltar à
Europa, foi se dobrando aos fatos”. O cenário no segundo
semestre de 1821 foi tenso. “Ora
parecia que iam embarcar… ora, apoiado pelos jornais maçônicos, D. Pedro
colocava-se como favorável à independência e sensível à ideia de assumir o
trono do Brasil”. Os dias eram, assim, de indecisão e de insegurança.
D.
Pedro, por outro lado, tinha consciência de que seu pai era um rei sem
poder, decorativo e prisioneiro das Cortes. Os comerciantes portugueses e
estrangeiros aqui residentes viam no retorno do príncipe o início da
anarquia. Foi nesse contexto que a ideia de rompimento com Portugal
começou a se fortalecer.
A
partir daí se sobressai a maçonaria, com toda força e vigor. Os interesses de
todos os setores envolvidos convergiam para uma independência feita sob o
comando do príncipe regente D. Pedro. A reação dos brasileiros contra o
decreto ordenando o retorno de D. Pedro ganha voz no discurso do maçom
Cipriano José Barata, denunciando a trama contra o Brasil e publicado na
íntegra, através da imprensa. Ao mesmo tempo é fundado na casa do maçom
José Joaquim da Rocha o “Clube da Resistência”, depois transformado no
“Clube da Independência”.
As
tratativas iniciais tinham como objetivo sensibilizar D. Pedro para resistir
ao comando das Cortes, convidar o Presidente do Senado, o maçom José
Clemente Pereira, a aderir ao movimento, bem assim de ampliar os contados
com maçons de Minas Gerais e São Paulo. Longe dos olhos das autoridades,
outras reuniões de cunho maçônico eram realizadas tanto no Clube quanto no
Convento de Santo Antônio, organizadas pelo Frei Francisco Sampaio.
Com
a reinstalação da Loja “Comércio e Artes” em 1821, quando obteve liberdade
de atuação, a maçonaria conheceu grande expansão no Brasil, principalmente
na cidade do Rio de Janeiro, com o tema da “independência” na pauta de
todas as reuniões, onde se faziam agitação e proselitismo em favor da
ideia. Alguns membros, como o liberal radical Joaquim Gonçalves Ledo, eram
partidários de uma independência democrática e republicana, conhecida
desde o século anterior como “Maçonaria Vermelha”, em contraposição ao
grupo simpático à “Maçonaria Azul”, que defendia a proposta de uma
monarquia constitucional parlamentar. Em comum, os grupos tinham o
absolutismo como inimigo, e o liberalismo e a representação do povo no
legislativo como princípios fundamentais.
A
partir de outubro daquele ano começaram a aparecer pelas ruas do Rio de
Janeiro panfletos denunciando as intenções recolonizadoras das Cortes e
concitando o príncipe a assumir a direção do movimento em defesa da
autonomia do país (Motta, 1972). Segundo Tito Lívio e Manoel Rodrigues
Ferreira (1972), “insuspeitos historiadores”, nas palavras de Castellani
(1993), a propaganda deflagrada pela maçonaria “vermelha” era, sim, para
separar politicamente o Brasil de Portugal, pois a independência já fora
considerada conquistada desde 1815. Para esse grupo, com a separação,
surgiria fatalmente a república, pois não havia no Brasil uma
monarquia própria.
Três
representações foram encaminhadas a D. Pedro, rogando a sua permanência
no Brasil e o descumprimento aos Decretos 124 e 125. A representação dos
fluminenses foi redigida pelo Frei Francisco Sampaio, Orador da Loja
“Comércio e Artes”. A dos mineiros foi liderada por Pedro Dias Paes Leme,
maçom e amigo de D Pedro. De São Paulo, o maçom José Bonifácio de Andrada
e Silva, presidente da junta governativa da província e partidário de uma
monarquia constitucional, com D. Pedro no poder, enviou o documento, em 24
de dezembro de 1821, no qual criticava duramente a decisão das Cortes de
Lisboa e chamava a atenção para o importante papel reservado ao príncipe
naquele momento de crise. A carta chegou às mãos do príncipe no Rio a
1º de janeiro de 1822 e foi por ele divulgada imediatamente, deixando que
seu conteúdo se espalhasse entre a população, com aparência de segredo, e
depois mandada imprimir na Gazeta do Rio, em 8 de janeiro (D’Albuquerque,
1973).
D. Pedro enviou correspondência a
D. João em 2 de janeiro de 1822 onde se lia: “Farei todas as diligências por bem para haver sossego, e para
ver se posso cumprir os decretos 124 e 125, o que me parece impossível,
porque a opinião é toda contra, em toda a parte“. Enquanto
isso, a princesa Leopoldina conspirava “com
o Partido do Fico e afirmava que D. Pedro devia organizar o governo do
jeito que quisesse.” (Del Priore, 2012).
No dia 9 de janeiro de 1822, diante
de D. Pedro, na sala do trono, o maçom José Clemente Pereira, Presidente
do Senado da Câmara, interpretando o pensamento geral, contido nos
manifestos dos fluminenses, paulistas e mineiros, fez seu discurso pedindo
a permanência do príncipe. O texto da representação, comovente,
emocionou D. Pedro – e mudou o rumo da história do Brasil. Então D. Pedro,
compreendendo a magnitude do evento e reconhecendo a sua responsabilidade
junto ao povo brasileiro, pronuncia o que a história reconhece a data como
o “Dia do Fico”: “Como é
para bem de todos, e felicidade geral da Nação, estou pronto: diga ao povo
que fico“. Naquele mesmo evento, D. Pedro recebera um
abaixo-assinado com 8.000 nomes. Reunido defronte do Paço Municipal, o
povo saudou a decisão do príncipe.
Os
setores das classes médias e urbanas da época, compostos pelos
jornalistas, médicos, padres, funcionários públicos dos baixos escalões,
professores etc., muitos deles militantes da maçonaria e que defendiam a
implantação de uma república, passaram a aceitar a monarquia
constitucional com D. Pedro no poder, depois do “Dia do Fico”, devido à
fraqueza das camadas médias da população. Os séculos anteriores de
monarquia tinham grande influência no povão e a república era vista
com desconfiança.
No
dia 11 de janeiro, as tropas portuguesas tentaram obrigar o príncipe a
embarcar para Lisboa. Apoiado pelo povo e por tropas leais, D. Pedro
resistiu. A independência, agora, era uma questão de tempo. A petição de
José Bonifácio e o abaixo assinado que resultou no “Dia do Fico” marcaram
a aproximação entre D. Pedro e a elite brasileira.
Aproveitando-se
do apoio da população do Rio de Janeiro, o regente demitiu o ministério
deixado pelo pai e nomeou outro. Com a chegada de José Bonifácio ao Rio
a 17 de janeiro, foi ele logo nomeado para chefiar o Ministério dos
Negócios do Reino e Estrangeiros, sendo o primeiro brasileiro a ocupar um
cargo semelhante. Ainda naquele mês, seguindo o conselho de José
Bonifácio, D. Pedro assinou Decreto instituindo que só vigorariam no
Brasil as Leis portuguesas que recebessem o “cumpra-se” do príncipe regente.
Em
13 de maio de 1822, por proposta do brigadeiro Domingos Alves Branco
Muniz Barreto e de Joaquim Gonçalves Ledo, o príncipe regente recebe o título
de “Defensor Perpétuo do Brasil”, oferecido pela Maçonaria e pelo Senado,
marcando uma cartada política importantíssima da Loja “Comércio e Artes”.
Por trás dessa iniciativa estava também o interesse das lideranças que
pretendiam aproximar-se do regente e suplantar o prestígio desfrutado por
José Bonifácio, o todo-poderoso ministro.
Dando
um decisivo passo em direção à independência, em 2 de junho de 1822,
José Clemente Pereira, em audiência com D. Pedro, fez saber o discurso
redigido por Joaquim Gonçalves Ledo e Padre Januário da Cunha Barbosa
sobre a necessidade de uma Constituinte.
Por
sua vez, José Bonifácio manifestou-se contrário à convocação da Constituinte,
mas acabou por aceitá-la, procurando descaracterizá-la com a proposta de
eleição indireta, que acabou prevalecendo contra a vontade dos liberais
radicais comandados por Gonçalves Ledo, que defendiam o princípio da
eleição direta, ampliando o conflito entre ambos. Em 3 de junho de 1822
foi expedido decreto em que José Bonifácio convocou a Assembleia Geral
Constituinte e Legislativa. Apesar do controle da situação pelos
conservadores e de o texto da Constituinte apresentar declarações favoráveis
à união entre Brasil e Portugal, as Cortes insistiam no retorno imediato
de D. Pedro.
Neste
ínterim, fora criada a primeira Obediência Maçônica do Brasil, o Grande
Oriente Brasílico (ou Brasiliano), em 17 de junho de 1822, uma entidade
dedicada, com exclusividade, à luta pela independência política do Brasil.
Para esse fim, a Loja “Comércio e Artes” foi dividida em três Lojas, dela
saindo os maçons em número suficiente para a formação das Lojas “União e
Tranquilidade” e “Esperança de Niteróy.
A
administração do Grande Oriente ficou então composta por José Bonifácio
de Andrada e Silva, como Grão-Mestre; Joaquim de Oliveira Alvarez, como
Delegado do Grão-Mestre; Joaquim Gonçalves Ledo e João Mendes Viana, como
1º e 2º Grandes Vigilantes, respectivamente; Padre Januário da Cunha
Barbosa, como Grande Orador; capitão Manoel José de Oliveira, como Grande
Secretário; Francisco das Chagas Ribeiro, como Grande Chanceler; Francisco
Luiz Pereira da Nóbrega, como Promotor Fiscal; João da Rocha, como Grande
Cobridor; e, Joaquim José de Carvalho, como Grande Experto (Castellani,
1993).
José Bonifácio foi escolhido como
Grão-Mestre pela sua dimensão, não só na política nacional como Ministro,
mas, também, na europeia, pela sua atividade científica e política,
durante os 37 anos em que viveu e trabalhou na Europa. Porém, a
liderança dos maçons cabia a Gonçalves Ledo, seu substituto imediato. Ledo
era um político fluminense, considerado a maior liderança maçônica da
época, mas não tinha o prestígio nacional e internacional de José
Bonifácio. Entretanto, Ledo, como líder do Grande Oriente, teve um papel
destacadíssimo e, segundo Castellani (1993), pouco reconhecido nas lutas
pela independência do Brasil, tendo inspirado “todas as grandes manifestações populares ocorridas no Rio de
Janeiro, naqueles conturbados dias que antecederam a emancipação do país”.
Os grupos de Bonifácio e Ledo
mantinham uma luta ideológica. Eram maçons em conflito, com agitação nas
ruas e intrigas palacianas. Enquanto o primeiro grupo defendia a
independência dentro de uma união brasílico-lusa, mais palatável,
o segundo pretendia o rompimento total com a metrópole portuguesa, “o que poderia tornar
difícil a transição para país independente”. Essa luta extrapolou
as discussões no âmbito das lojas e assumiu caráter público e se estendeu
através da imprensa (Castellani, 2007). Para José Bonifácio somente a forma
de governo monárquica seria capaz de manter a unidade territorial. Ele
temia as eleições diretas, opondo-se às ideias de fundo republicano
(Mattos, 1991).
Entre
15 de setembro de 1821 e 8 de outubro de 1822 circulou o jornal
“Revérbero Constitucional Fluminense”, redigido pelos seus editores
Gonçalves Ledo e Padre Januário da Cunha Barbosa, que contribuiu
significativamente para formação de um sentimento libertador. Também a
partir de 29 de julho de 1822, Frei Francisco Sampaio passou a editar o
jornal “Regulador Brasílico-Luso”, depois denominado, “Regulador
Brasileiro”, impresso na Tipografia Nacional, que marcou presença
no movimento de emancipação, mas entrou em atrito com o “Revérbero”, na
defesa de José Bonifácio. Outro de destaque foi o jornal “O Constitucional”,
redigido pelos maçons José Joaquim da Rocha e padre Belchior Pinheiro de
Oliveira, defendendo as mesmas ideias liberais de Ledo. Curiosamente,
Padre Belchior, nascido em Diamantina, vigário de Pitangui (MG), para
alguns autores sobrinho de José Bonifácio e para outros um primo distante,
era amigo e confidente de D. Pedro.
Por
proposta de José Bonifácio, em 2 de agosto de 1822, é iniciado na Loja Comércio
e Artes o príncipe regente, D. Pedro, que adotou o nome histórico ou
heróico de “Guatimozin, em referência ao último imperador Asteca morto em
1522. O Rito adotado à época ensejava tal escolha (Bonifácio era
“Tibiriçá” e Ledo era “Diderot”). Tal fato não deixou de ser um ato
político, pois à Maçonaria era importante ter o regente nas suas fileiras,
onde poderiam influenciá-lo no caminho da emancipação e, para D. Pedro,
estando entre os maçons melhor poderia atuar na busca de uma solução
monárquica para o país, afastando inclinações para um regime
diferente (Castellani, 2007). Logo em seguida, no dia 5 de agosto, Joaquim
Gonçalves Ledo, que ocupava a presidência dos trabalhos, conduziu a
cerimônia de exaltação de D. Pedro ao grau de Mestre Maçom.
Segundo Laurentino Gomes (2010) há
fortes indícios de que D. Pedro frequentasse as atividades da maçonaria
bem antes de sua iniciação. Segundo ele, “No
museu Imperial de Petrópolis há uma carta que o então príncipe regente
escreveu a José Bonifácio com vocabulário e sinais maçônicos no dia 20 de
julho de 1822, data anterior à sua iniciação oficial”. Diz a
carta: “O Pequeno Ocidente toma a
ousadia de fazer presentes ao Grande Oriente duas cartas da Bahia e alguns
papéis periódicos da mesma terra há pouco vindas. Terra a quem o Supremo
Arquiteto do Universo tão pouco propício tem sido. É o que se oferece por
ora a remeter a este que em breve espera ser seu súdito e I∴ Pedro”. O autor ressalta ainda, que “No
canto superior esquerdo da página, há o desenho de um sol e a palavra
Alatia, em que as letras foram substituídas por esquadro,
compasso, martelo, uma pá de pedreiro e um olho… A assinatura é
acompanhada do símbolo ∴, os três pontinhos em forma de pirâmide que indicam filiação maçônica”. Donde se conclui que D. Pedro já era um “goteira” real.
Em ato do
início de agosto de 1822, D. Pedro declara inimigas as tropas
portuguesas que desembarcassem no Brasil sem o seu consentimento. Foi
ainda recomendado aos governos provinciais que não dessem posse a
funcionários nomeados em Portugal. Para admissão a cargo público,
impunha-se o juramento prévio à causa da União e Independência do Brasil.
Na Maçonaria, as primeiras atas do Grande Oriente deixam clara a intenção
da instituição com a restrição do recrutamento de novos obreiros dentre aqueles
que se comprometessem com a causa da independência política do Brasil.
Convencido da necessidade de apoio
das potências europeias, José Bonifácio desenvolveu intensa campanha junto
aos governos estrangeiros e às embaixadas. Num manifesto redigido por ele,
em 6 de agosto, em nome do príncipe e dirigido às “Nações Amigas”,
garantia-lhes que os seus interesses seriam respeitados (Mota,
1972). Referido manifesto praticamente anunciava a independência do
Brasil, “mas como reino irmão de
Portugal”. À grande propriedade escravista eram dadas
garantias solenes de que a independência não alterava o sistema de
trabalho. O Brasil já estava independente, faltando ainda dar maior
dramaticidade à ruptura (Conhecer, 1988).
No
dia 14 de agosto D. Pedro parte em viagem, com o propósito de apaziguar
os descontentes em São Paulo, cujo governo reacionário parecia querer
desacatar o poder dos irmãos Andrada (José Bonifácio e Martim Francisco),
sendo acompanhado por uma pequena comitiva, dentre eles o Padre Belchior
Pinheiro de Oliveira, Luís Saldanha da Gama e Francisco Gomes da Silva, o
popular “Chalaça”. Antes de partir, entregou a regência à esposa, D.
Leopoldina, para que o governo não ficasse paralisado. Chegando a Lorena
no dia 19 de agosto, emite o decreto dissolvendo o governo provisório de
São Paulo. No dia 25 de agosto, já em São Paulo, onde foi recebido com
honrarias, hospeda-se no Colégio dos Jesuítas.
No
dia 2 de setembro, no Rio de Janeiro, reuniu-se o Conselho de Estado sob
a presidência da princesa D. Leopoldina, onde foram lidas as cartas
chegadas de Lisboa com as abusivas decisões das Cortes, anunciando o
propósito de enviar tropas ao Brasil e contendo afirmações ofensivas ao
príncipe. José Bonifácio, que já vinha percebendo que a solução de uma
monarquia dual era impossível, escreveu a D. Pedro, concitando-o à ação rápida
e que nada mais havia a fazer senão proclamar o rompimento definitivo com
Portugal.
De São Paulo, em 5 de setembro, D.
Pedro parte para Santos, regressando dois dias depois, na madrugada do dia
7. No percurso, às margens de um riacho localizado na colina do Ipiranga,
foi surpreendido pelo Major Antônio Gomes Cordeiro e pelo ajudante Paulo
Bregaro, portadores de urgentes notícias enviadas pelo seu
primeiro ministro José Bonifácio. Então, ao tomar ciência dos fatos D.
Pedro, aos quase 24 anos de idade, na versão do Padre Belchior, pronunciou
as seguintes palavras que entraram para a história: “As Cortes perseguem-me,
chamam-me com desprezo, rapazinho e brasileiro. Verão agora quanto vale o
rapazinho. De hoje em diante estão quebradas as nossas relações; nada mais
quero do governo português e proclamo o Brasil para sempre separado de
Portugal“.
No
dia seguinte ao “grito do Ipiranga” e despedindo-se dos paulistanos, D.
Pedro anunciou a nova divisa do país: “Independência ou Morte”, através da
Proclamação aos Paulistas (Castellani, 2007). Deu-se, portanto, o início
ao Primeiro Reinado, que duraria entre 1822 e 1831. A ruptura brasileira
com a metrópole foi pacífica e manteve a estrutura política e social
praticamente intacta.
O clima político do período ficou
tenso, ganhando corpo o conflito entre os dois grupos à frente do Grande
Oriente. “De um lado, a elite
brasiliense, liderada pelo prócer da maçonaria no Brasil, Joaquim
Gonçalves Ledo, e formada por aqueles que desejavam um governo baseado na
soberania popular, tendo dom Pedro como chefe escolhido pelo povo e
subordinado aos seus representantes. Do outro lado, a elite
coimbrã, liderada por José Bonifácio e formada pelos que defendiam uma
Constituição que limitasse os poderes da Assembleia Legislativa, aceitando
a autoridade do soberano como um direito legalmente herdado através da
dinastia” (Lustosa, 2000).
Os
inimigos de José Bonifácio procuravam intrigá-lo junto a D. Pedro e passaram
a contar com uma aliada poderosa, a futura marquesa de Santos, com quem o
Príncipe iniciara uma ligação amorosa e que logo se tornou desafeta de
José Bonifácio. No Grande Oriente, em nova iniciativa política, em 4 de
outubro de 1822, Gonçalves Ledo promove o golpe da eleição e posse de D.
Pedro no cargo de Grão-Mestre, sem que José Bonifácio houvesse renunciado
a ele e sem que a Assembleia Geral o houvesse destituído. Tal ato
demonstrava que Ledo dominava o Grande Oriente.
Otávio
Tarquínio de Souza, em “A Vida de D. Pedro I”, citado por Tenório
de D’Albuquerque (1973), comenta que D. Pedro, por sua vez, não vacilou um
minuto em assumir o cargo que era de seu ministro e amigo José Bonifácio,
solidarizando-se com o grupo de Gonçalves Ledo, pois sabia que com este
estava a força da maçonaria. Sabe-se que José Bonifácio não compareceu a
nenhuma sessão importante do Grande Oriente, e que teria sido colocado no
cargo sem ser consultado.
Segundo
alguns autores, dando o revide, José Bonifácio fundara o “Apostolado
da Nobre Ordem dos Cavaleiros da Santa Cruz”, uma sociedade secreta, nos
moldes da Carbonária europeia, que reuniria altos funcionários,
fazendeiros, os formados em Coimbra, mineiros e baianos, incluindo os mais
representativos da aristocracia da época, com o objetivo de combater os chamados
liberais mais radicais liderados por Gonçalves Ledo e Januário da Cunha
Barbosa, que não contavam com o apoio popular. Porém, Castellani (2007)
afirma que isso não representa uma verdade histórica, pois o Apostolado
fora fundado no dia 2 de junho de 1822, quinze dias antes, portanto,
de ser criado o Grande Oriente e dele faziam parte, além de José Bonifácio
e de D. Pedro, Ledo e os seus seguidores.
Na
instalação do Apostolado, que pregava uma comunidade luso-brasileira de
países autônomos, de orientação conservadora e monárquica, por manobra de
José Bonifácio e seus irmãos, D. Pedro fora eleito seu chefe com o título
de Arconte-Rei. Segundo o historiador Mello Moraes (2004), essa foi uma
atitude desesperada de José Bonifácio para contrabalançar o poder e
guerrear com os maçons do Grande Oriente.
Ao
perpetrar o golpe político, elegendo o regente Grão-Mestre do Grande Oriente,
que tinha um caráter liberal e republicano e defendia um rompimento total
dos laços com a metrópole portuguesa, Ledo procurava diminuir a influência
de José Bonifácio sobre o príncipe, rompendo o tênue elo existente entre
eles. Ambos os grupos disputavam as boas graças do príncipe regente,
visando, cada um deles, o esmagamento do adversário e com isso declarou-se
abertamente as hostilidades com um fervedouro de intrigas e perseguições
entre os dois grupos.
Em outra ação política importante,
D. Pedro foi aclamado como “Imperador Constitucional e Defensor Perpétuo
do Brasil”, em 12 de outubro de 1822, data de seu aniversário. Gonçalves
Ledo e seu grupo, naquela oportunidade, exigiram de D. Pedro, três
assinaturas em branco e o juramento à Constituição que fosse aprovada por
uma Assembleia Constituinte. Diante disso, José Bonifácio se opôs
terminantemente e deu o troco no campo político, convencendo o Imperador
de que havia uma rede de intrigas e “a
luta da independência exigia um período de calmaria política interna,
que estava sendo quebrado pelo grupo adversário, com exigências descabidas”
(Castelani, 1993). José Bonifácio mostrou a D. Pedro que as exigências do
grupo de Gonçalves Ledo eram altamente prejudiciais e perigosas à
estabilidade de seu governo.
O
grupo liderado por Gonçalves Ledo cederia logo nos primeiros momentos ao
aceitar a monarquia como solução definitiva para a realidade do Brasil.
Seu esforço, a partir de então, se concentraria na tentativa de dar a essa
monarquia uma feição republicana, e em tentar fazer, através de uma
Constituinte brasileira, que o Legislativo se sobrepusesse ao Executivo,
reduzindo e limitando os poderes de D. Pedro.
A
resistência de José Bonifácio e do próprio D. Pedro a esse projeto fez com que,
ao se definir o regime de governo que seria adotado, a opção democrática
viesse a ser definitivamente afastada. A postura mais moderada da elite
coimbrã, com a instalação de um Estado cuja concepção não se afastava
tanto das práticas do absolutismo ilustrado, sairia vencedora.
A
repressão aos ex-aliados do acontecimento de 7 de setembro, representados
pelos liberais radicais de Gonçalves Ledo (democrático e republicano) foi
então deflagrada pelo ministério liderado por José Bonifácio. O Grande
Oriente que abrigava desde monarquistas constitucionais até republicanos
tornou-se um problema para o governo. Diante de tais fatos, 17 dias depois
de ascender ao grão-mestrado e aconselhado por José Bonifácio, D. Pedro
enviou uma carta ao 1º Grande Vigilante, Joaquim Gonçalves Ledo, em 21 de
outubro de 1822, com a ordem de fechamento do Grande Oriente, que se deu
em 25 de outubro.
Segundo Mello Moraes (2004), “José Bonifácio, para conhecer
praticamente a sua influência pessoal, e política, em vista do estado
convulso da capital do Império, no dia 28 de outubro do mesmo ano, pediu a
sua demissão de ministro do Império. Os andradistas, com este inesperado
acontecimento, saem pelas ruas e praças, a obterem numerosas assinaturas,
e com elas vão pedir ao Imperador a reintegração dos Andradas no
Ministério, o que teve lugar no dia 30 de outubro…”. O Rio de
Janeiro mergulhou, então, num clima de medo e repressão.
No
retorno ao Ministério, o primeiro ato de José Bonifácio foi mandar instaurar
uma devassa contra os maçons do grupo político de Gonçalves Ledo, que
ficou conhecida como “Bonifácia”, acusando-os de conspirar contra o
governo, que levou quase todos os membros do Grande Oriente à prisão. Ledo
fugiu para Buenos Aires, para não ser preso e deportado.
Em 1º de dezembro de 1822, D. Pedro
foi sagrado e coroado não rei, mas Imperador do Brasil, para mostrar que,
apesar do direito monárquico, também fora eleito pelo “povo”. “Para perpetuar a memória deste
dia ele criou a Ordem do Cruzeiro, puramente brasileira; e bem a Guarda de
Honra para sua pessoa”. A Assembleia Constituinte Legislativa,
para confeccionar a Constituição política do Império, foi instalada no dia
3 de maio de 1823.
Quanto
ao Apostolado, segundo Castellani (2007), sua existência foi curta. D.
Pedro recebera uma carta denunciando uma conjuração contra ele, o que
redundou em imediata ação comandada pelo próprio D. Pedro, que acompanhado
de cinquenta soldados, no dia 15 de julho de 1823, invadiu a sede do
Apostolado e ordenou seu fechamento. No dia seguinte, deu-se o rompimento
de José Bonifácio e de seus irmãos Martim Francisco Ribeiro de Andrada e
Antônio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva com o imperador. D.
Pedro demitiu o ministério e José Bonifácio passou à oposição.
Em
12 de novembro de 1823, D. Pedro dissolveu a Assembleia Constituinte e
mandou o exército invadir o plenário. Muitos deputados foram presos e
exilados. José Bonifácio foi banido e se exilou na França por seis anos.
Nesse período, ele e seus dois irmãos, também exilados, receberam polpuda
pensão mensal, a custa do Erário. D. Pedro implantou um regime de arbítrio
e de exceção, fechando todas as lojas maçônicas. Em 25 de março de 1824,
D. Pedro outorgou a Constituição Política do Império do Brasil, elaborada
em 40 dias por uma comissão de dez membros, o Conselho de Estado. Referida
Constituição somente foi revogada com a proclamação da república no
Brasil, 66 anos mais tarde, em 15 de novembro de 1889.
O
reconhecimento externo da independência, essencial para uma jovem
nação necessitada de mercados e ameaçada de ser recolonizada, teve nos
Estados Unidos o primeiro aliado, seguido pelo México e Argentina. Os
Ingleses ficaram esperando que Portugal o fizesse, como forma de assegurar
mercados e aliados.
Ainda
em 1824, e em protesto contra o fechamento da Constituinte e contra
a Constituição então promulgada, eclodiu um movimento republicano e
separatista, com origem em Pernambuco, conhecido como a “Confederação do
Equador”, também de inspiração maçônica. A revolta foi debelada em
setembro, com a prisão e enforcamento dos chefes e o fuzilamento de Frei
Caneca, pois ninguém aceitou ser seu carrasco, tal o carisma e autoridade
moral (Castellani, 2007).
Diante
de pressões e do trabalho diplomático da Inglaterra, em 1824, Portugal
desistiu de reconquistar o Brasil. O acordo de reconhecimento foi firmado
em 29 de agosto de 1825 (Tratado do Rio de Janeiro ou Tratado de Paz e
Aliança). Mas, em troca do reconhecimento, D. João VI recebeu o título
honorário de Imperador Perpétuo do Brasil e uma indenização de mais de
dois milhões de libras esterlinas. A indenização foi uma jogada de mestre,
pois os portugueses deviam valor equivalente, desde a estada da família real
no Brasil. Vislumbrando a impossibilidade de receber a bolada,
a Inglaterra emprestou o dinheiro ao Brasil, que pagou a Portugal, que
pagou à Inglaterra. Virtualmente, o dinheiro sequer chegou a sair dos
cofres ingleses e o endividamento externo entrou para nossa história.
Posteriormente,
em 1829, o tal empréstimo foi renegociado, por falta de
pagamento, mediante novo empréstimo, realimentando a conhecida ciranda
financeira tão cara ao nosso povo até os dias atuais. Em dezembro de 1829,
o Banco do Brasil foi fechado. “Belas moedas de ouro tinham sido
substituídas por pobres tiras de papel” (Bueno, 1977).
A maçonaria que havia entrado em
longo período de aparente adormecimento desde 25 de outubro de 1822,
somente ressurgiu em 1831, por obra dos maçons do Grande Oriente e dos membros
do Apostolado, que tinham visto suas entidades fechadas pelo imperador e
haviam se unido contra ele, “num
processo de solapamento do trono, o qual viria a culminar na abdicação de
7 de abril”, organizando-se em dois grandes troncos: o Grande
Oriente Brasileiro, que desapareceria cerca de 30 anos depois, e o Grande
Oriente do Brasil (Castellani, 2007).
D.
Pedro, após nove anos como imperador, enfrentando constantes crises políticas
e rebeliões, e perdendo a cada dia o apoio da opinião pública e das elites,
por seu autoritarismo, abdicou do trono brasileiro em favor de seu filho
mais novo Pedro II, em 7 de abril de 1831. Contribuiu para tal decisão o
desgaste pela repressão feroz aos participantes da Confederação do Equador
e pelas derrotas na Cisplatina. “Para não levar o país a uma guerra”,
conforme escreveu posteriormente, foi para Portugal restaurar o trono da
filha, Maria da Glória, usurpado pelo irmão D. Miguel. Sua
vitória assegurou o liberalismo em Portugal. D. Pedro I do Brasil tornou-se
Pedro IV, rei de Portugal e dos Algarves, morreu aos 36 anos, em 24 de
setembro de 1834, depois de assistir à aclamação de sua filha como rainha.
José
Bonifácio de Andrada e Silva, após sua queda e exílio em 17 de julho de
1823, mediante autorização voltou ao Brasil em julho de 1829 e, após a
abdicação de D. Pedro e a pedido deste, tornou-se tutor do futuro D. Pedro
II. Participou da reinstalação do Grande Oriente, voltando a ser seu
Grão-Mestre. Em 1832 foi destituído da tutoria, processado, preso e
absolvido. Morreu aos 74 anos, em 6 de abril de 1838. Seus restos mortais
jazem no Panteão dos Andradas, em Santos (SP), ao lado dos despojos de
seus irmãos. É conhecido pelo epíteto de “Patriarca da Independência”.
Joaquim
Gonçalves Ledo, que havia retornado ao Brasil, em julho de 1823, com
a queda de José Bonifácio, assumiu a cadeira de deputado, para a qual
tinha sido eleito em 1822, onde permaneceu até 1834, quando abandonou a
política e a maçonaria. Sempre foi avesso a exibições e não ambicionava cargos,
títulos e honrarias. Participou da reinstalação do Grande Oriente
(1831/1832). Faleceu aos 65 anos, em 19 de maio de 1847. Antes de sua
morte, queimou todos os seus arquivos. Apesar de seu importantíssimo papel
nas lutas pela independência do Brasil, ainda é pouco reconhecido pela sua
atuação.
A
partir de então, uma nova era na história política do Brasil deu forma aos
partidos políticos organizados. A maçonaria “Vermelha” deu origem ao
Partido Liberal, pregando a democracia, com o fortalecimento do
Parlamento, e uma maior autonomia das províncias. A maçonaria “Azul” se
transformou no Partido Conservador, com a defesa de um regime forte,
monárquico, com autoridade concentrada no Trono e pouca liberdade
concedida às Províncias.
No
ensejo, alguns fatos curiosos a respeito da Independência merecem um
comentário especial. Segundo a tradição e com muita controvérsia inicial,
consta que o “Hino da Independência do Brasil” fora criado logo após o 7
de setembro, com a letra do maçom, político e jornalista Evaristo da Veiga
e a melodia de D. Pedro I. A decisão definitiva foi pacificada no governo
de Getúlio Vargas. Nesse mesma toada, D. Pedro também é o autor da música
do “Hino da Maçonaria”, com a letra de Otaviano Bastos.
Quanto
ao dia 7 de setembro, Castellani (2007) ressalta que muitos maçons
e historiógrafos desinformados afirmam erroneamente que a Independência
foi proclamada a 20 de agosto de 1822, em sessão do Grande Oriente, quando
Gonçalves Ledo aclamava D. Pedro rei do Brasil, acatando, em seguida, a emenda
de Domingos Alves Branco que propunha o título de imperador. Demonstra o
escritor que se trata de erro de interpretação do calendário maçônico e
que tal fato ocorrera, na realidade, no dia 9 de setembro, dois dias após
o “grito do Ipiranga”. Segundo ele, com os parcos meios de comunicação da
época não se podia saber, no Rio de Janeiro, no dia 9, que a Independência
já havia sido proclamada em São Paulo no dia 7, uma vez que de São Paulo
ao Rio de Janeiro gastava-se uma semana a cavalo. Por isso, Castellani critica
a escolha do dia 20 de agosto como “Dia do Maçom”.
Nessa mesma linha, o historiador
Hélio Viana, citado pelos historiadores Tito Lívio e Manoel Rodrigues
Ferreira (1972, p.228), afirma que o “20º
dia do 6º mês do calendário da Maçonaria ‘Vermelha’ do Brasil, correspondeu
a 12 de setembro”. O escritor maçônico A. Tenório
D’Albuquerque (1973) é um dos que defendem o dia 20 de agosto. Pacificando
o entendimento, o Grande Oriente, na forma de ato exarado por ocasião das
comemorações do seu centenário, em 1922, dentre outras datas, registrou
que a proclamação da Independência foi votada nas Sessões de 9 e 12
de setembro e por editais do Senado e da Câmara do Rio de Janeiro no dia
21 do mesmo mês (Castellani, 1993, p.94, 6º registro).
Não
se pode deixar de registrar, também, que a pintura “Independência ou
morte”, que está no Museu Paulista, da USP, concluída por Pedro Américo em
1888, um ano antes da Proclamação da República, é uma idealização do
“Grito do Ipiranga”. Segundo a revista “Nossa História” (Ano I, nº 11, de
setembro de 2004), o artista teria feito uma ampla pesquisa. “Apesar
disso, achava que não deveria ficar preso à verdade. Assim, entre outros aspectos,
alterou a topografia, escolheu raças de cavalos que dessem maior
elegância, definiu trajes e chapéus, promoveu a incorporação anacrônica
da Guarda de Honra”, consubstanciando na imagem clássica presente em todos
os livros escolares.
Enfim,
ao completar 195 anos da Independência do Brasil, a maçonaria, como
uma instituição político-social, e este sodalício em especial, não
poderiam deixar de prestar suas homenagens a evento de tamanha relevância
na consolidação da consciência cívica de um povo e na formação de um país
de dimensões continentais, como resultado da visão de uma geração de abnegados
obreiros que se colocaram na vanguarda da luta pela conquista de um sonho
de liberdade.
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