Publicado
em “UOL Economia”
em 01/02/2017 da E.'.V.'.
Na Fleet Street, uma das mais
movimentadas do centro de Londres, a dez minutos à pé da Trafalgar Square,
existe um arco de pedra pelo qual muita gente pode passar e viajar no tempo.
Temple Church - Londres
Um pátio tranquilo leva a uma capela
estranha, circular, e a uma estátua de dois cavaleiros em cima de um único
cavalo. A capela é a Temple Church, construída pela Ordem dos Templários em
1185, quando ficou conhecida como a "casa londrina dos Cavaleiros
Templários".
Mas a Temple Church não tem apenas
uma importância arquitetônica, histórica e religiosa. Ela também foi o primeiro
banco de Londres.
Os Cavaleiros Templários eram monges
guerreiros. Era uma ordem religiosa, com uma hierarquia inspirada na teologia e
uma missão declarada (além de um código de ética), mas também um exército
armado e dedicado à "Guerra Santa".
Mas então como eles chegaram ao
negócio dos bancos?
Os Templários dedicaram-se
inteiramente à defesa de peregrinos cristãos a caminho de Jerusalém. A cidade
havia sido capturada na primeira Cruzada em 1099, e ondas de peregrinos
começaram a chegar, viajando milhares de quilômetros pela Europa.
Esses peregrinos precisavam, de
alguma forma, bancar meses de comida, transporte e acomodação para todos eles,
sem precisarem carregar grandes somas de dinheiro consigo - já que isso os
tornaria alvo fácil para ladrões.
Afortunadamente, os Templários tinham
uma solução. Um peregrino poderia deixar seu dinheiro na Temple Church em
Londres, depois pegá-lo de volta em Jerusalém. Em vez de carregar o dinheiro
até lá, ele só precisaria levar uma carta com o crédito. Os Cavaleiros
Templários eram a Western Union (conhecida empresa que faz transferência de
dinheiro entre países) da época das Cruzadas.
Não sabemos direito como os
Templários faziam esse sistema funcionar, nem como se protegiam contra fraudes.
Havia um código secreto para verificar o documento e a identidade do viajante?
Banco privado
Os Templários não foram a primeira
organização no mundo a oferecer esse tipo de serviço. Diversos outros países
haviam feito isso antes, como a dinastia Tang na China, que usava o
"feiquan" - "dinheiro voador", um documento de duas vias
que permitia a comerciantes depositarem seus lucros em um escritório regional e
depois pegarem o dinheiro de novo na capital.
Mas esse sistema era operado pelo
governo. O sistema bancário oferecido pelos Templários funcionava muito mais
como um banco privado (embora pertencesse ao papa) aliado a reis e príncipes
ao redor da Europa e gerenciado por uma parceria de monges que tinham feito
voto de pobreza.
Os Cavaleiros Templários fizeram
muito mais do que apenas transferir dinheiro por longas distâncias, informa em
seu livro Money Changes Everything ("Dinheiro muda tudo", em
tradução livre), William Goetzmann que disse que, eles ofereciam uma série de serviços
financeiros reconhecidamente avançados para a época.
Se você quisesse comprar uma ilha na costa oeste da França (como o rei
Henrique III, da Inglaterra fez nos anos 1200 com a ilha de Oleron, a noroeste de
Bordeaux), os Templários poderiam ajudar a fechar o negócio.
Henrique III pagou 200 libras por ano,
por cinco anos para os Templários em Londres, e quando seus homens tomaram
posse da ilha, os Templários zelaram para que o vendedor tivesse recebido todo
o dinheiro.
Ainda nos anos 1200, as Jóias da
Coroa foram mantidas no Templo como uma forma de segurança para um empréstimo (com
os Templários atuando como uma espécie de casa de penhor).
Os Cavaleiros do Templário não foram
o banco da Europa para sempre, claro. A Ordem perdeu sua razão de existir
depois que os cristãos europeus perderam completamente o controle de Jerusalém
em 1244, e os Templários foram dissolvidos por completo em 1312.
Então quem assumiu essa função
bancária que eles deixaram?
Se você tivesse presenciado a grande
feira de Lyon em 1555, poderia conhecer a resposta. Ela foi o maior mercado
para comércio internacional de toda a Europa.
Troca sofisticada
Mas nessa edição da feira, começaram
a circular rumores sobre a presença de um comerciante italiano que estava
fazendo fortuna no local.
Ele não estava comprando, nem
vendendo nada. Tudo o que ele tinha à frente era uma mesa e um tinteiro.
Dia após dia, ele recebia
comerciantes e assinava pedaços de papel - e, de certa forma, ficava rico.
Os moradores locais olhavam para ele
com suspeita.
Mas para uma nova elite internacional
das grandes casas de mercadoria da Europa, suas atividades eram perfeitamente
legítimas.
Ele estava comprando e vendendo
dívidas e, ao fazer isso, estava gerando um considerável valor econômico.
Um comerciante de Lyon que quisesse
comprar, digamos, lã de Florença, poderia ir a esse banqueiro e pedir um tipo
de empréstimo chamado de "conta de troca". Era um documento de
crédito, que não especificava a moeda de transação.
Seu valor era expressado em "ecu
de marc", uma moeda privada usada para essa rede internacional de
banqueiros.
E se os comerciantes de Lyon ou seus
agentes viajassem a Florença, a "conta de troca" do banqueiro de Lyon
seria aceita pelos banqueiros de Florença, que trocariam sem problemas o
documento pela moeda local.
Por essa rede de banqueiros, um
comerciante local podia não só trocar moedas, mas também "traduzir"
seu valor de compra em Lyon para valor de compra em Florença, uma cidade onde
ninguém havia ouvido falar sobre ele. Era um serviço valioso, que valia a pena.
De meses em meses, agentes dessa rede
de banqueiros se encontravam em grandes feiras como a de Lyon, conferiam suas
anotações e acertavam as contas entre si.
Nosso sistema financeiro de hoje tem
muito a ver com esse modelo.
Um australiano com um cartão de crédito
pode fazer compras em um supermercado de Lyon. O supermercado checa com um
banco francês, que fala com um banco australiano, que aprova o pagamento ao
comprovar que ele tem o dinheiro em conta.
Contrapontos
Mas essa rede de serviços bancários
sempre teve também seu lado obscuro.
Transformando obrigações pessoais em
dívidas negociáveis internacionalmente, esses banqueiros medievais passaram a
criar seu próprio dinheiro privado, fora do controle dos reis da Europa.
Ricos e poderosos, eles não
precisavam mais se submeter às moedas soberanas de seus países.
O que de certa forma ainda é feito
hoje em dia. Os bancos internacionais estão fechados em uma rede de obrigações
mútuas difícil de entender ou controlar.
Eles podem usar seu alcance
internacional para tentar contornar impostos e regulamentações.
E considerando que as dívidas entre
eles são um tipo claro de dinheiro privado, quando bancos estão fragilizados ou
com problemas, o sistema monetário do mundo todo também fica vulnerável.
Nós ainda estamos tentando entender o
que fazer com esses bancos.
Nós não podemos viver sem eles, ao
que parece, mas também não temos certeza de que queremos viver com eles.
Governantes há muito tempo procuram formas de controlá-los.
Às vezes, essa abordagem tem sido no
esquema "laissez-faire" ("deixai fazer"), outras vezes não.
Poucos governantes tem sido mais
duros com os bancos do que o rei Felipe IV, da França. Ele devia dinheiro para
os Templários, e eles se recusaram a perdoar seu débito.
Então, em 1307, no local onde hoje
fica a estação "Temple" do metrô de Paris, Felipe lançou um ataque ao Templo de
Paris (o primeiro de uma série de ataques ao redor da Europa).
Os templários foram torturados e
forçados a confessar todos os pecados que a Inquisição pudesse imaginar.
A Ordem acabou sendo dissolvida pelo papa.
A Ordem acabou sendo dissolvida pelo papa.
O Templo de Londres foi alugado para
advogados.
E o último grande mestre dos
Templários, Jacques de Molay, foi trazido ao centro de Paris e queimado
publicamente até a morte.
*Tim Harford escreve uma coluna de
economia no Financial Times.
"As 50 coisas que fizeram a Economia Moderna" é um programa
transmitido no Serviço Mundial de rádio da BBC.
"As 50 coisas que fizeram a Economia Moderna" é um programa
transmitido no Serviço Mundial de rádio da BBC.
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