Todos na sala me chamavam de “Irmão” e me cumprimentavam. Como isso soava esquisito, pois todos eram desconhecidos para mim. Pela minha cabeça só passavam fragmentos dos sons e sensações por que eu havia passado há alguns instantes. Ainda ressoavam algumas perguntas que me haviam sido feitas e as respostas mais ou menos corretas que eu havia retribuído.
Algumas vozes na sala me soavam familiares, pois eu as havia ouvido e agora podia identificar seus donos. Em geral todos eram muito diferentes do que eu havia imaginado quando não os podia ver.
Dia seguinte. Meu primeiro ato, após as obrigações matinais de higiene pessoal, foi pegar o adesivo de nossa Loja, que meu padrinho me dera na noite anterior, e colocar no vidro traseiro do carro. Agora eu era “um deles”. Estava cheio de orgulho por ter sido aceito na Ordem e poder desfrutar do status que isso gerava.
Dirigia torcendo para que alguém reconhecesse os símbolos contidos no adesivo do carro e identificasse minha nova situação de maçom. Até ficava imaginando as respostas que daria caso alguém me fizesse as perguntas necessárias para identificar meu “status maçônico”.
E como explicar a sensação de orgulho causada por um Irmão buzinando e te cumprimentando em plena rua? Será que alguém mais ouviu esta buzina? Será que algum “profano” percebeu que agora eu sou um ser “diferenciado”?
Mas pensando bem, agora que já se passaram alguns dias da iniciação, este adesivo da Loja parece muito discreto, quase que é preciso colocar uma lupa para enxergar os símbolos. Está na hora de colocar um adesivo de nossa Potência no vidro traseiro do carro e um outro no pára-brisa dianteiro. Vai que um policial pare meu carro… quando ele vir o adesivo com o esquadro e o compasso com certeza irá me mandar ir embora, pois saberá que seus superiores são meus Irmãos e ele não mexeria com o Irmão do chefe, claro.
Vi num site uma caneta toda decorada com temas maçônicos, linda, nada discreta. Em qualquer lugar que eu a usar serei identificado, quase reverenciado. Serei um sucesso. Lógico que a comprei. Ah, e também um anel de ouro com o esquadro e compasso em preto. Reluz mais do que um farol em dia de nevoeiro. Pode-se vê-lo à distância.
Isso sem falar dos pins que tenho na lapela de meus ternos. Cada um para uma ocasião diferente. Tem aqueles para as Sessões Magnas, aqueles para uso em reuniões de trabalho e também alguns que podem ser usados com roupas mais informais. Também existem os meus prendedores de gravata.. Tenho vários.....uns dez pelo menos. Apesar de prendedores de gravata estarem fora de uso. Mas quem se importa? Como ainda meu avental é todo branco eu compenso isso usando outros adornos. Levo um tempão para colocar tudo: caneta, anel, pins, prendedor de gravata…
Só que há uma coisa que tenho me questionado muito ultimamente: meu comportamento. Pergunto-me se meus mais recentes atos estão sendo coerentes com o que eu escuto na Loja. Minha paciência curta poderia ser o motivo dos meus problemas no trabalho, por exemplo?
Vejo que o que tenho aprendido em Loja e o que tenho praticado são suas coisas distintas. Critico os Irmãos , fico de olho nas cunhadas e pasmem até nas sobrinhas, dou pequenos golpes usando meu três pontos na assinatura, fico na minha, mas pago minha cotização em dia né?!.
Porém, hoje começo a entender o que os Irmãos querem dizer quando citam que as instruções são simbólicas, mas que elas vão transformando o iniciado. Percebo que estou muito distante de ser a pessoa que eu gostaria, pois ainda sou apegado a futilidades e aparências.
Meus filhos têm sido o maior espelho deste meu comportamento errôneo, pois não sei ter uma palavra de carinho para com eles e sempre que eles querem me contar algo sobre seu dia eu uso a desculpa de estar cansado e não lhes dou atenção, Pobrezinhos. Dias atrás por falta de paciência até dei um tapa neles, e briguei com a cunhada indo dormir no sofá.
Meus irmãos então, tem um irmão desempregado na Loja, mas ele é Mestre, ele deve saber todos os segredos maçônicos da riqueza. Eu não devo nem me preocupar com ele não é? E aquela “cunhada” da rua de traz , o irmão está doente, afastado pelo INSS, eu nem tenho tempo para ir lá, pois isso é coisa dos irmãos mais velhos de loja, do irmão hospitaleiro não é ? Eu sou só um simples aprendiz!, Minha obrigação é ir na loja! Pois é só pegar meu RITUAL REXONA, por em baixo do braço e ir para a sessão. Pois é bem legal, sempre tem uns comes e bebes depois! Estudar maçonaria eu faço isto depois!
Ah sim! Preciso trocar de carro, eu vou negociar com o irmão que tem uma garagem de venda de carro, pois agora sou maçom e vocês sabem maçom, tem que ter carro novo, de preferência importado.
Escrever sobre tudo isso é muito doloroso, mas talvez sirva para alertar outros a não cometerem os mesmos erros que os meus. E a pensar bem os motivos que têm para quererem adentrar a Ordem. Se for só para satisfazer o ego ,advirto , alerto e falo que é trabalho e tempo perdido. Mas se for para começar a dar um rumo mais reto à sua vida e buscar formas de se tornar uma pessoa mais humana e solidária e começar a pelo menos perceber seus erros posso afirmar que é um bom começo, se não é sinto muito você não completou sua iniciação! Estas nas trevas, e sempre estarás!
Ir.'. Denilson Forato M.'.I.'. - Revista Universo Maçônico - Publicado na Edição 05 em Vivência Maçônica 9 de Junho de 2010
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